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Um dia normal

A cama estava quentinha. Os passarinhos mal haviam começado a cantar e a luz do dia a recém lançava seus primeiros olhares sob a terra. "Mais cinco minutinhos", ela pensou e virou pro lado.

Meia hora depois Bianca deu um pulo da cama. Aqueles cinco minutinhos viraram meia hora e tinham lhe rendido uma boa soneca e um grande atraso. Corre pro banheiro, faz xixi, escova os dentes. Volta pro quarto, abre o guarda roupa. Tira tudo do lugar. Finalmente acha algo pra vestir. Voa pra cozinha. Precisa comer algo rápido. Tem um pão dormido em cima da mesa. Sai comendo pela casa enquanto volta pro banheiro, escova os cabelos, os dentes de novo. Pronto. Só falta os sapatos. Cata eles no armário. Um perfume. A bolsa, a chave de casa. Finalmente está na rua.

Passa no jornaleiro da esquina. Seu Venâncio é um senhor bem velhinho. Tem uma banca de jornais na esquina de sua casa desde que Bianca se conhece por gente. Enquanto ela compra seu jornal diário percebe que todos estão sorrindo de uma maneira estranha. Até o seu Venâncio. Sem entender a piada, mas atrasada demais pra se preocupar, ela segue em direção à parada.

O ônibus. Lá vem ele. Não adianta correr. Não vai chegar ao ponto há tempo. " Era o que me faltava hoje", pensou começando a ficar irritada com seu atraso. O que restava era chegar a parada, sentar e esperar.

Começou a ler o jornal. O próximo coletivo demoraria uns vinte minutos e enquanto isso ia adiantando sua leitura matinal. Enquanto lia não percebeu que cada um que chegava ali dava uma risadinha ao olha-la.

Lá vem ele. Sobe no ônibus, aquele empurra, empurra habitual. Achou um lugar ao fundo e sentou. Mais meia hora e estaria no trabalho. A senhora do seu lado não parava de rir. " O que será que deu nesse povo hoje?"

Desce do coletivo, caminha duas quadras. Todas as pessoas estão mais felizes hoje. Todas sorriem, riem, dão gargalhadas ao passar por ela. " Nossa! preciso ler o jornal com mais calma... Deve ter acontecido algo muito bom..."

Pronto. Finalmente chegou. Seu chefe vai querer arrancar seu fígado. Entra no prédio, sobe no elevador. " O mundo está mais simpático hoje ou será que sou eu que sempre estou de mal humor e não percebo?".

As risadas a seguem. Mesmo no trabalho, as pessoas mais antipáticas hoje estão tão sorridentes. Algo esta errado. Não é possível que tanta gente mude do dia pra noite. Bianca resolve ir até o banheiro, dar uma olhada no espelho pra ver se tudo está bem.

Diante do espelho, olha, analisa, se espreme, confere. Nada de diferente. Faz uma vistoria completa. O rosto está normal, a blusa também. O zíper fechado. Não há absolutamente nada de errado com ela.

Volta pra sua mesa. Trabalha normalmente até a hora do almoço. Sai pra almoçar. O povo no restaurante também está rindo a toa. Vontade de perguntar o que é. Mas Bianca, sempre foi tímida e mesmo curiosa não pergunta pra ninguém.

A tarde parece longa. Se arrasta mas as horas passam. Mais um dia normal. Saí do escritório. Caminha duas quadras. Pega o ônibus. Caminha mais três quadras. Chega em casa. Dá comida pro gato. Vai pro quarto. Troca de blusa. Vai tirar as calças. Precisa tirar os sapatos.

Os sapatos. Um preto e outro marron. Um com fivela dourada e outro com fivela prateada. Os saltos iguais. Mas a textura, a cor e a fivela. Não tinha como alguém não perceber. só ela não enxergou o motivo de toda humanidade estar tão simpática naquele dia. Agora era tarde.

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